esferas

por rafaelabraga

Vou confessar. Mesmo. Juro. Viver a vida, assim, vivida, em todas suas dimensões, me intriga. Explico: vivemos em esferas, certo? A global, política, social – das coisas como um todo, da independência de Kosovo à tendência inflacionária. A pessoal – da corridinha da vergonha pra pegar a lotação, do lembrete para a compra da ração dos gatos (e com o *, *de salmão), do relatório a ser entregue. E a pessoal, mais pessoal ainda – a que vem de dentro. E dentro fica. Eu não consigo, e não sei se deveria, mas alguém me disse que deveria e se alguém não me disse que deveria eu suponho por mim mesma que deveria separar essas esferas. Mas sou incapaz. Falho.

É como se eu (digo eu, mas entenda nós) transitasse entre os paralelos. Ainda tento entender, por exemplo, quem em sã consciência achou que seria possível realizar uma Copa do Mundo no Brasil e que continuaria tudo, assim, normal? Quem achou que seria possível ir ao banco, tirar boletos, pagar contas, fazer a compra da semana, assistir aulas, frequentar reuniões, fazer pautas, faxinar o banheiro, trocar as lâmpadas e verificar a água do radiador com tudo aquilo acontecendo? Durante um mês por todas as horas?

As coisas acontecem toda hora. E são muitas coisas. Em várias horas.

É um malabarismo. Faz assim, enquanto a água do café ferve (fora o pensamento comum de toda fervura da água, sobre o ponto de ebulição que diminui quando o açúcar é acrescentado) pensemos na conjuctura. De como sair à esquerda (ou à direita, a gosto do leitor). Enquanto esperamos na fila do xerox, reflitamos sobre a estrutura, sobre a superestrutura, sobre o desenvolvimentismo. E enquanto o professor não chega para aula, ou o chefe para reunião, rascunhemos sobre a crise representativa. Casaremos as esferas.

E a pessoal, mais pessoal ainda, deixemos pro domingo. Domingo à noite. Como tem de ser.